Nos anais da história, poucas narrativas iluminam a dinâmica das relações internacionais de forma tão vívida como o comércio. O interesse da Companhia das Índias Orientais nos mercados chineses pelos seus tecidos de lã feitos em casa no século XVI foi um dos pontos de viragem na história comercial do Sul da Ásia. Nos dois séculos seguintes, porém, os britânicos começaram a investir pesadamente no chá chinês. Não é por acaso que o rei Carlos II (1660-1685) declarou o chá como a bebida nacional britânica. Depois veio o contrabando de ópio indiano para o reino chinês. Os contornos do panorama comercial do Sul da Ásia começaram a mudar dramaticamente, lançando as bases para as complexas interacções que testemunhamos hoje.
O que esta trivialidade revela é que o caminho para relações internacionais amigáveis, hostis ou abertamente exploradoras é pavimentado pelo comércio. A acreditar nos murmúrios em torno do Caminho Kartavya, a comunidade empresarial desempenhou um papel significativo no desligamento militar Índia-China ao longo da Linha de Controlo Real (LAC) em Ladakh. Isto implica claramente que o comércio continua a ser o eixo central das relações diplomáticas.
Comércio e Laços
O recente acordo alcançado entre a Índia e a China, anunciado na véspera da cimeira dos BRICS e executado dentro de uma semana, para pôr fim ao impasse militar sinaliza um degelo significativo nos laços que atingiram o ponto mais baixo após um confronto mortal em 2020. Como Secretário dos Negócios Estrangeiros Vikram Misri anunciou que este novo pacto permite que ambas as nações retomem as patrulhas fronteiriças. Este processo permite que cada lado faça valer as suas reivindicações territoriais, ao mesmo tempo que promove um quadro de conformidade mútua. Este desligamento não é apenas uma manobra tática; reflecte um desejo mais amplo de estabilidade e cooperação que tanto a Índia como a China reconheceram como vitais.
A importância deste desenvolvimento não pode ser exagerada. O acordo chega num momento em que a China continua a ser um dos parceiros comerciais mais críticos da Índia, com o comércio bilateral a atingir uns impressionantes 118,4 mil milhões de dólares só em 2023-2024. Apesar das tensões geopolíticas que muitas vezes obscurecem as relações entre os dois países, a China continua a ser uma fonte crucial de bens e produtos industriais para a Índia. As pressões exercidas pela comunidade empresarial indiana a favor de um diálogo e envolvimento renovados são um testemunho da ligação inegável entre os interesses económicos e a postura militar.
Olhando para o futuro, o potencial para uma cimeira entre o primeiro-ministro Narendra Modi e o presidente Xi Jinping surge no horizonte. Isto marcaria a sua primeira reunião presencial desde 2020 – um passo significativo que poderia aprofundar ainda mais os laços económicos, proporcionando ao mesmo tempo uma plataforma para abordar questões espinhosas.
Os americanos
No entanto, é crucial reconhecer o contexto mais amplo em que este desligamento ocorreu. A postura assertiva da China na região do Indo-Pacífico, particularmente no que diz respeito a Taiwan e ao Mar da China Meridional, continua a suscitar desconforto. A Índia, no entanto, tem a opção de limitar o seu envolvimento nestas áreas. Além disso, é crucial diferenciar entre assertividade e imprudência. Ao contrário da beligerância dos EUA e da União Soviética durante a Guerra Fria, que muitas vezes levou o mundo ao limite, as acções da China, até agora, não chegaram a tais extremos.
A Índia encontra-se num delicado ato de equilíbrio. O pragmatismo rege o seu envolvimento tanto com os Estados Unidos como com a China, enraizado em interesses estratégicos e não em alinhamentos ideológicos. Ao dar prioridade à cooperação baseada em questões específicas em vez de campos rígidos, a Índia pretende promover a estabilidade num mundo multipolar. Os Estados Unidos, por seu lado, navegaram nesta complexidade com uma política de “concorrência gerida” – uma abordagem que reconhece a necessidade de colaboração mesmo em meio a confrontos.
É digno de nota como o comércio americano de bens e serviços com a China se situou em 758,4 mil milhões de dólares em 2022, com um défice comercial de 367,4 mil milhões de dólares, de acordo com o Gabinete do Representante Comercial dos Estados Unidos, um gabinete executivo do Presidente. Uma rápida olhada nos dados desagregados mostra a crescente interdependência económica dos dois países. Tudo isto apesar das sanções e restrições dos EUA às empresas e jogadores chineses. O impacto da última série de sanções à China, incluindo investimentos restritos no sector tecnológico e empresas na China que fornecem microelectrónica e máquinas-ferramentas à Rússia, ainda não foi visto. A história, porém, mostra que as sanções raramente conseguiram aniquilar os inimigos dos Estados Unidos.
O confronto pode ser prejudicial
Em última análise, o caminho a seguir para a Índia e a China depende do reconhecimento da interdependência que o comércio promove. A falta de inovação de ponta na área empresarial da Índia tornou-a dependente da indústria tecnológica chinesa. A Índia representa actualmente menos de 3% das despesas globais em I&D, em oposição aos 22,8% da China. Os EUA representam cerca de 25% de todas as despesas em I&D e permanecem no topo da tabela.
Até que a Índia emerja como igual em termos económicos, uma postura de confronto com a China será prejudicial aos seus objectivos. Mesmo entre iguais, a colaboração obtém melhores resultados do que os confrontos. Embora as disputas territoriais persistam, as bases de uma relação mais estável e construtiva podem muito bem ser construídas sobre os laços económicos que as unem. À medida que a Índia e a China procuram navegar num cenário geopolítico cada vez mais complexo, são os microchips e os LED que continuarão a iluminar as mesas de negociações, tal como têm iluminado as instalações do Diwali em casa e nos escritórios.
As saudações da nossa temporada já são 'Made in China' há algum tempo.
(Nishtha Gautam é uma autora e acadêmica que mora em Delhi.)
Isenção de responsabilidade: estas são as opiniões pessoais do autor